As obras da ferrovia Transnordestina no sertão do Piauí, que já consumiram R$ 1,075 bilhão e deveriam ter sido entregues em 2010, estão paralisadas e abandonadas desde setembro de 2013, quando o contrato entre a concessionária Transnordestina Logística S/A (TLSA) e a construtora Odebrecht foi rescindido. O valor investido no trecho piauiense corresponde a mais de dois terços do total de R$ 1,456 bilhão previsto após um recente financiamento complementar feito pelo governo federal.
O G1 visitou trechos da ferrovia em obras nas cidades de Paulistana e Curral Novo do Piauí e não viu trabalhadores ou máquinas em ação. O nome da empreiteira contratada para o trabalho já não consta mais nas placas.
Segundo o Ministério dos Transportes, foram executados apenas 42% dos trabalhos de infraestrutura e 35% das obras de arte especiais – pontes e viadutos – nos 420 quilômetros da linha entre as cidades de Eliseu Martins (PI) e Trindade (PE).
O orçamento total para a construção nos três estados saltou de R$ 4,5 bilhões, em 2007, para R$ 7,5 bilhões, em 2013. O G1 procurou a Transnordestina Logística S.A. por telefone e e-mails entre os meses de novembro e dezembro do ano passado, mas a empresa não detalha o que já foi feito no trecho com o dinheiro. O Tribunal de Contas da União disse que não encontrou irregularidades até o momento.
A ferrovia começou a ser construída em junho de 2006, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e deveria ter ficado pronta quatro anos depois, ao final do mandato. De acordo com o governo federal, o projeto prevê 2.304 quilômetros de ferrovia, beneficiando 81 municípios – 19 no Piauí, 28 no Ceará e 34 emPernambuco.
O atraso na conclusão da ferrovia Transnordestina prejudica a expansão do agronegócio e da mineração no Piauí, que vê nesse empreendimento a chance de potencializar o transporte de cargas, escoando grãos e minérios até o mar a custos mais baixos. O estado já tem ferrovias que vão até os portos de Pecém (CE) e Itaqui (MA), mas a Transnordestina ligaria as regiões de agronegócios e de mineração ao porto de Suape (PE).
Inicialmente, a ferrovia seria construída pelo governo federal, mas por falta de verba e a entraves burocráticos, o projeto foi entregue para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que criou a empresa Transnordestina Logística S.A. (TLSA) para ser concessionária da obra. O governo federal então firmou compromisso de garantir financiamentos de bancos e órgãos públicos. Já os estados envolvidos ficaram responsáveis pelas desapropriações.
A ferrovia Trasnordestina não faz parte do Programa de Investimento em Logística (PIL), criado em agosto de 2012 para destravar gargalos históricos do transporte e aquecer a economia brasileira em meio à crise internacional. A previsão era investir R$ 91 bilhões na construção de 10 mil quilômetros de ferrovias, mas, até agora, nenhum trecho foi leiloado.
Um dos motivos para o fracasso foi a desconfiança do empresariado em relação aos projetos, principalmente por conta da participação da estatal Valec no negócio. Para reverter o quadro, o governo decidiu terceirizar a produção de projetos para construção de novas ferrovias, que agora serão elaborados pelo setor privado.
Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu uma série de correções no projeto para reduzir custos e só aprovou o novo modelo de concessão no fim de 2013. A empresa vencedora do leilão vai apenas construir, manter e operar as linhas. Toda a capacidade de transporte de carga por esses trilhos será comprada pela Valec. O plano garante livre acesso aos trilhos, o que deve levar a concorrência e queda de preço no transporte de cargas, mas a estatal assume o risco de prejuízo caso a demanda das empresas transportadoras seja menor que o previsto.
O governo espera fazer o primeiro leilão até março de 2014.
Atraso de 6 anos
Segundo o Ministério dos Transportes, greves depois do descumprimento de acordo coletivo relativo ao pagamento de gratificações aos operários, quebra de acordos e atrasos nas desapropriações são alguns dos fatores que contribuíram para o atraso na Transnordestina. Ao G1o ministério disse que o governo não tem qualquer participação ou intervenção nas relações contratuais entre a concessionária e as construtoras que executam a obra, e garantiu que cobra os resultados estabelecidos nos acordos de financiamento e no contrato de concessão, firmado e fiscalizado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Em nota, a construtora Odebrecht informou que a rescisão com a Transnordestina Logística S.A. foi feita de maneira amigável, mas não disse o que motivou a empreiteira a romper o contrato. A Transnordestina também foi procurada, mas não quis comentar nada sobre o assunto.
O governo federal afirmou que, após a saída da Odebrecht, a Transnordestina Logística está contratando novas empresas para a retomada das obras. A previsão da concessionária era de reiniciar os trabalhos em dezembro de 2013 e entregar a ferrovia concluída em setembro de 2016, com seis anos de atraso em relação ao prazo inicial e cinco anos além do previsto no cronograma do balanço quadrimestral do PAC 2, divulgado dia 17 de outubro de 2013.
Até o último balanço, o governo ainda via a possibilidade de ter a Transnordestina concluída no fim de 2015. Em setembro, no entanto, o acordo dos acionistas foi renegociado e novas cláusulas foram impostas, depois das discussões entre a Companhia Siderúrgica Nacional e o Ministério dos Transportes.
O único trecho com possibilidade de ser concluído ainda em 2014, segundo balanço do PAC, fica entre Salgueiro (PE) e Trindade (PE). O pedaço tem 163 km de extensão e está previsto para setembro. Os demais trechos, que somam mais de 90% da extensão total da ferrovia, só vão ficar prontos entre junho e setembro de 2016.
Atraso para o agronegócio
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (Sedet), a ferrovia vai dobrar o volume de exportações da soja no estado. O atraso na construção e a ausência de um porto no estado são os maiores problemas para o desenvolvimento do agronegócio no Piauí. Entre 2009 e 2011, foram exportados mais de R$ 183 milhões pelo Porto de Itaqui, em São Luís (MA), e R$ 156 milhões pelo Porto de Pecém, em São Gonçalo do Amarante (CE).
Para o secretário de Desenvolvimento, Warton Santos, a conclusão da ferrovia é esperada com ansiedade pelos setores produtivos. "A ferrovia Transnordestina vai cortar mais de 1 mil km da região dos Cerrados Piauienses, que mais cresce na produção de soja, algodão e milho, além de minérios. Para se ter uma ideia, a mineradora Bemisa, que tem projetos implantados na Bahia, Minas Gerais, Goiás, Pará e Mato Grosso, instalou-se recentemente na região a investiu mais de US$ 5 milhões", afirmou.
O presidente da Associação dos Produtores de Soja do Piauí (Aprosoja), Moysés Barjud, disse que a Transnordestina possibilitará a redução de custos, já que o transporte rodoviário aconteceria somente até a cidade de Eliseu Martins. No entanto, a associação ainda não tem um cálculo sobre o tamanho da redução, que dependerá do preço do transporte ferroviário até o porto.
"Os benefícios dessa obra são imensos e evidentes: facilitação da chegada dos insumos agrícolas até as fazendas – o que, indiretamente, gera um incremento tecnológico e produtivo dos empreendimentos agrícolas – e, é claro, no escoamento da produção", afirmou Barjud.
Apesar de toda a expectativa dos produtores e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico, a ferrovia não é bem vista pelo secretário estadual de Transportes, Avelino Neiva, que chegou a declarar durante a apresentação do Plano de Desenvolvimento Econômico Sustentável (PDES), que aconteceu na última semana de novembro, que a obra é um projeto mal traçado e que não agregará valor nenhum ao estado.
"O Piauí se transformará em um mero exportador de matéria-prima. Não teremos nenhum valor agregado com essa obra. Poderíamos ter 30% do valor que está sendo investido nela, algo em torno de R$ 2,5 bilhões, para construir 700 km de ferrovia partindo do ponto onde foi iniciada a Transnordestina no Piauí até o Porto de Luís Correia. Dessa forma não iríamos apenas fazer o transporte de produtos, mas agregar valor econômico aqui e gerar riquezas. Se eu tivesse sido ouvido na época do seu traçado, nunca teria aprovado essa obra, mas já é um fato consumado e temos que aprender a viver inteligentemente com isso", declarou.