Melgaço, no Pará; Fernando Falcão, no Maranhão; Atalaia do Norte, no Amazonas; Marajá do Sena, também no Maranhão e Uiramutã, em Roraima. Esses são os piores lugares pra se viver no Brasil.
E sabe o que eles têm em comum, além da pobreza? Suspeitas de corrupção!
O Brasil do atraso vive no isolamento da Floresta Amazônica. Melgaço fica na Ilha do Marajó, no Pará. Na entrada da cidade, o Fantástico encontrou moradores fazendo uma passeata até a Câmara Municipal.
O motivo: cobrar melhorias na saúde,
educação e a retomada das obras.
Ao
andar pelas ruas de Melgaço, o Fantástico encontrou várias obras paradas. No local, a de uma creche, no valor de 1 milhão e 323 mil reais, que deveria ter ficado pronta 11 meses atrás.
Uma dona de casa que mora a 50 metros da obra e não tem onde deixar a filha, de um ano e meio, disse:
“Não posso trabalhar, porque não posso deixar minha filha em casa”, conta a moradora.
“A empresa paralisou pelo motivo chuvoso. A empresa está vindo retomar todos os serviços pra fazer a conclusão”, disse o prefeito.
De acordo com o estudo divulgado segunda-feira passada pelo programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, Melgaço tem o pior IDH do Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano leva em conta a renda, a educação e expectativa de vida dos moradores.
“Quanto mais pobre o lugar, piores são as condições de controle e maior é a chance de você ter corrupção”, disse o diretor da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo.
O Fantástico apurou que em melgaço - e nas outras 9 cidades com os piores Idhs - há denúncias de desvio ou mau uso do
dinheiro público.
“As consequências da corrupção são mais graves para os mais pobres, porque quem tem menos
dinheiro precisa mais daquele pouco que tem”, destaca o diretor.
A educação em Melgaço - que tem cerca de 25 mil habitantes - foi considerada péssima, a pior do Brasil. E no local, não há saneamento básico nem água tratada.
Em 2011, o Ministério Público Federal investigou o repasse de 120 mil reais da Fundação Nacional de Saúde para o ex-prefeito José Rodrigues Viegas implantar um sistema de abastecimento de água no municipio.
De acordo com os procuradores, apenas 25 por cento da obra foram executados.
José Rodrigues Viegas respondia a essa e mais seis ações por improbidade administrativa. Ele foi prefeito entre 2001 e 2008, sempre negou as acusações e morreu no ano passado.
Os herdeiros podem ser obrigados a devolver o dinheiro.
“A grande maioria das nossas ações não foram julgadas. É preciso avançar muito em uma resposta mais rápida pra sociedade, principalmente em relação a recursos públicos”, disse o procurador.
Numa comunidade, quarenta famílias vivem em Palafitas. Uma tubulação no meio do esgoto abastece baldes, de onde os moradores retiram a água para o consumo.
“As crianças adoecem tudinho. Dor-de barriga”, conta um morador.
O Fantástico mostrou como estão as investigações nos outros quatro municípios mais carentes do país.
Começando por Fernando Falcão, no Maranhão: o segundo pior IDH do Brasil.
A estrada de terra - rodeada de lixo - é o único acesso a Fernando Falcão, que tem cerca de 9000 habitantes.
Uma dona de casa, Francilene, tem duas filhas e ganha, em média, 30 reais por mês. “Tem dia que a gente passa como Deus quiser”, relata.
Em 2000, o Governo Federal mandou R$ 583 mil para um programa de geração de renda, que poderia ajudar pessoas como Franciele. Até hoje, o Ministério Público Federal quer saber o que foi feito com o dinheiro. Na época, o prefeito era Zeferino Almeida.
“Nada foi comprovado que eu corrompi esse dinheiro. Saí pobre da prefeitura”, afirma.
Na terceira cidade visitada pelo Fantástico com o terceiro pior IDH do Brasil: Atalaia do Norte, Amazonas, cerca de 15 mil habitantes.
Segundo a Justiça Federal, existem pelo menos nove processos para apurar irregularidades no município, como desvio de dinheiro da merenda e do transporte escolar.
Em nota, a prefeitura informou que vai tomar as medidas legais para que "tudo o que foi saqueado retorne ao município e seja investido em prol da sociedade".
A cidade com o quarto pior IDH do Brasil também fica no Maranhão. É Marajá do Sena, cerca de 8 mil habitantes. Luís Abreu foi prefeito entre 1997 e 2004 e tem duas condenações por irregularidades no uso do dinheiro público. Ele ainda responde a cinco processos na Justiça Federal.
Um deles envolve um convênio, de 1998, com o Governo Federal para a implantação de um sistema de abastecimento de água potável na cidade.
O Ministério Público Federal investiga onde foi parar a verba, de R$ 75 mil.
“ Nunca desviei recurso e até hoje estou por aqui de cabeça erguida”, conta o ex-prefeito.
Marajá do Sena tem a renda mais baixa do país.
Cada morador ganha, em média, R$ 96 por mês.
Na comunidade, por exemplo, falta saneamento básico. Também não há posto de saúde por lá, e água encanada, não tem. Cada morador precisa cavar o seu próprio poço nos fundos de casa.
“Ainda trabalho na roça e tudo, e o rojão é esse. Tem que fazer força”, disse a lavadrora Maria das Neves Magalhães.
O Fantástico também foi a Uiramutã, Roraima, o quinto pior índice de desenvolvimento humano do Brasil.
A cidade tem pouco mais de 8 mil habitantes, quase 90 por cento são índios. Metade dos moradores não sabe ler nem escrever. A falta de saneamento básico é outro problema.
Os materiais foram comprados, chegaram a ser montados para oferecer rede de esgoto à população de Uiramutã. Foram liberados 640 mil reais mas o serviço não foi terminado. Para resolver a falta de água potável em parte do município, o Governo Federal enviou quase duzentos mil reais.
“Ninguém tá bebendo água dessa rede aqui. Estamos com uma água salobra”, disse o índio macuxi Eliesio Lima.
Segundo a controladoria geral da união, houve irregularidades na gestão da ex-prefeita Florany Mota, que administrou o município entre 2000 e 2008.
Ela nega o desvio de dinheiro.
“Em toda administração, tem entraves. São situações que infelizmente acontecem quando o gestor confia nos seus assessores para cuidar dessas questões técnicas”, ex-prefeita de Uiramutã, Florany Mota.
A ex-prefeita teve as contas reprovadas e não pode concorrer a cargo público.
“Existem indícios de crimes que foram cometidos. Crimes de peculato, que é apropiação do recurso público, e crimes de licitação”, disse o procurador da república Stanley Valeriano.
Os moradores de Melgaço, no Pará, resumem bem como é viver nas piores cidades do Brasil.
“A gente vive uma coisa de desprezo aqui”, disse uma moradora.
“A corrupção diminuirá quando houver menos pobreza”, destaca o diretor da Transparência Brasil.
O desenvolvimento traz uma necessidade maior de haver eficiência no gasto público.