A mãe de Ana Clara Sousa Santos, de 6 anos, Juliane Santos, entrevistada na tarde de ontem (19) pelo jornal O Estado, via telefone, afirmou que a perda da própria filha em virtude do ataque criminoso em São Luís, no dia 3 do mês passado, "é uma ferida que jamais irá cicatrizar". Apesar do apoio da família, Juliane Santos - que chegou a interromper a entrevista para tomar um dos dois calmantes receitados a ela desde a semana passada - ainda se diz "muito abalada" pela morte da filha Ana Clara e afirmou também que, apesar da perda, perdoa os acusados de planejar os atos criminosos na capital maranhense e que queimaram, dentre outros, o ônibus da linha Vila Sarney Filho, no qual ela estava. Juliane Santos também informou que permanecerá em Brasília, por tempo indeterminado, dando continuidade ao tratamento a que está sendo submetida para a recuperação de cerca de 40% da pela queimada no dia do ataque em São Luís.
O Estado - Como você está atualmente? Pode-se dizer que você está superando a morte da sua filha?
Juliane Santos - Foi muito difícil saber que ela [Ana Clara] havia morrido. A ficha, para te falar a verdade, ainda não caiu. Penso nela a todo instante. É desumano aceitar que eu, naquele dia que estava apenas voltando para a minha casa com as minhas filhas, tenha sido vítima daquilo. O mundo está desumano. Ninguém acredita mais no valor das pessoas; só pensam o tempo todo em matar, em querer o mal alheio. Isso precisa mudar. Posso te dizer que nos últimos dias estou chorando um pouco menos a morte da Ana Clara, mas o que aconteceu comigo não desejo a ninguém. Posso te dizer ainda que a perda de Ana Clara é uma ferida em meu coração que jamais irá cicatrizar.
O Estado - Sei que é difícil te perguntar isso, mas o que você lembra do dia do incêndio ao coletivo?
Juliane - De pouca coisa. Foi tudo muito rápido. Assim que os bandidos entraram no ônibus e começaram a dizer para nós descermos, não tive outra reação a não ser sair com as minhas filhas daquele inferno. Mas não deu tempo, pois assim que estava na escada já descendo do coletivo, o fogo tomou conta de tudo. Me sinto triste pois não consegui impedir que a Ana Clara fosse atingida pelo fogo. Eu também fui incendiada. A Lorane também. Depois que eu desci do ônibus só me lembro que ao acordar no hospital perguntei por minhas filhas, para saber como elas estavam.
O Estado - Sua família, por opção e orientação médica, falou da morte da Ana Clara mais de um mês depois do ocorrido. Você sentiu mágoa por causa disso?
Juliane Santos - Claro que não, entendi a situação perfeitamente. Lógico que, quando eu perguntava pela Ana Clara, enquanto estive no hospital, tanto em São Luís quanto em Brasília, queria saber a verdade. Mas nem sei como reagiria. Essa notícia poderia realmente me abalar de tal forma que não sei até que ponto não poderia piorar.
O Estado - Você aparenta ser uma pessoa muito religiosa. Como essa fé te ajuda a superar esse momento difícil na tua vida?
Juliane Santos - A fé é tudo. Sem ela, não sei se teria chegado até aqui. Sair do hospital foi uma vitória. Ver a Lorane viva, também. Tudo na vida tem uma razão de ser. Se Deus quis que a Ana Clara não estivesse mais entre nós, então deve haver uma razão. É essa mesma fé que me leva a perdoar os homens que queimaram aquele ônibus e tiraram a Ana Clara de mim. Não vale a pena carregar mágoa em meu peito. De que adiantaria eu alimentar esse ódio todo daqueles homens se Ana Clara não vai voltar?
O Estado - Você saiu do hospital até antes do que previam os médicos. Mesmo assim, seu corpo ainda está muito afetado pelas queimaduras?
Juliane Santos - Está sim. Os próprios médicos disseram que é normal. Ainda estou com as minhas costas com feridas geradas pelas queimaduras e também com os meus braços afetados. Até para pentear o meu cabelo tenho que pedir ajuda. Mas vou melhorar, com fé em Deus.
O Estado - Você deve comparecer três vezes por semana no Hospital Regional Asa Norte, onde esteve internada para continuar com o tratamento. Que procedimento médico você está recebendo?
Juliane Santos - Eles [os médicos] verificam como estão os ferimentos e trocam os curativos. Além disso, também estou fazendo sessões de fisioterapia e me submetendo a tratamento psicológico.
O Estado - Já há uma previsão sobre quando voltará para São Luís?
Juliane Santos - Tudo vai depender do restante do tratamento. Ainda não sei quando irei voltar para São Luís.
O Estado - Até que ponto a presença da Lorane (irmã de Ana Clara) te ajudou a receber um pouco melhor a notícia da morte da Ana Clara?
Juliane Santos - Foi fundamental. Na verdade, está sendo. A Lorane é a alegria da casa onde estou hospedada (Juliane está na casa de uma tia, em Brasília). Ela é um dos presentes de Deus à minha vida. Por ela [Lorane], também que estou lutando para superar esse momento difícil.
O Estado - O que você objetiva para a tua vida daqui para frente? Mantém vivos os sonhos, as metas?
Juliane Santos - Acho que a prioridade é cuidar da Lorane. É a minha filha e que ainda depende de mim. Minha família também espera muito de mim. Sou nova, tenho apenas 22 anos de vida, e espero ainda ter muitas alegrias, apesar de que levarei a Ana Clara em meu coração até o fim dos meus dias
fonte imirante